h e l i p o r t o


domingo, agosto 03, 2003
os helicopteros, aqui, aterram em diferido, ja' se sabe.



Acabaste por ficar gravada numa série de tremores cardiacos. ainda te vejo transpirar do mundo para a minha pele, surgir do ocaso das ruas cinzentas, vir à luz do fundo do rio limbo. uma série contada na cadência de um musculo agora em repouso, feito no silêncio das linhas nascida na distâncias e mortas bruscas em anos despidos de va'rios dias. um roubo, gasto sem culpa nem face reversa. ou lugar para maldiçoes.

12.07.03 05:26



terça-feira, abril 22, 2003
A Mariana Vieira da Silva (presente, entre outros sítios, em http://paisrelativo.blogspot.com) fez um raide ao heliporto e tornou possíveis os comentários ao que aqui se vai escrevendo. Obrigado, Mariana. :)



segunda-feira, abril 21, 2003
mais um helicóptero que aterrou com um ano de atraso:

as mãos deitam-se cansadas no corpo camuflado pela luz irregular do sinal de halogéneo pregado à parede do lado de fora daquele segundo andar. começam a dançar devagar sobre a pele dorida das costas, deslizam e percorrem-nas até estacarem no amparo de um corpo, que, por cima delas, cambaleia. cambaleia até todo o corpo nú ser as mãos que, prévias, já os dedos beijam. e por ali repousam.



A carne que me crepita
por baixo da pele
é imprópria
Dá a si mesma o nome de torrente
e disserta sobre a sua impureza
Eu impeço-me
e distingo-a de mim próprio
perdendo o que é de mim
na senda da distinção

A mão escreve a sua própria história
porque a minha não consolida
enquanto a minha não consolida
enquanto o que é de mim não endurece
não prospera e frutifica,
ela vai colhendo os frutos da autoanálise
caroços e despojos
de uma seca imperturbável

vou descansando num redor impermeável
até a mão decrescer
e embrutecer de cansaço
por esperar o momento em que a sua história
seja a minha.

agora adormece, por favor
enquanto aqui dentro
a tarde eterna e vertical,
árida,
se cristaliza

(31.03.2003 1:58)



sexta-feira, fevereiro 21, 2003
um helicóptero que se atrasou uns anos na aterragem:

Swing your credit cards
high up in the air
Revolution, well...
she just doesn't dare
to stand as straight and up
like your cards right there

You have the money
We have the fire in your basement
You think you still have the power
We'll set the fire in your basement

You keep living on the top
We're cracking down the first floor
You keep our world stuck in codebars
We're the demons behind your door



terça-feira, janeiro 21, 2003
(mais um texto de algures há 2 anos e tal atrás, talvez mais)

Não está nas notas de um piano que não tocas.
Não está na escassez das horas, na cadência insípida dos momentos mortos.
Não está nos passos que, em torno das camas esmaltadas dos hospitais, parecem levar consigo as cinzas de vidas inteiras.
Não está no brando ressoar dos sinos nem no negro esvoaçar dos corvos, pelas vítimas da maldade humana.
Não está nos arcos, nas esquinas, não está no pavio das velas nem no escuro dos quartos que dormem.
Não está nas casas de fachada alva e ruína interior, no bramir dorido dos alicerces de carne.
Não está no sangue derramado à vez pela loucura muda, sem cara, sem nome, nem no asfalto das estradas que o sepultarão.



(texto que terá há volta de três anos e meio)

Somos os glóbulos que circulam nas veias da cidade impura,
somos as caras cinzentas que povoam o imaginário de instantes,
quando nos entregamos aos torpedos que esventram o mundo subterrâneo
Nós somos a cidade impura
Somos os monstro que corrói e a vítima chorosa que lamenta o esvair da satisfação,
Somos a fragilidade das fachadas austeras
Somos as súplicas dos meios sorrisos, os imperadores das ocasiões
Somos os tesouros íntimos do jogo das aparências
Nós somos a cidade impura.

Somos as toupeiras que se movem nas entranhas do mundo claro
pernoitamos de dia nas viagens nocturnas,
adormecemos na inércia mecânica de quem não se transporta mas é transportado,
de quem mergulha em si mesmo por obrigação.
Nós somos as caras cinzentas.

Destroçar
Tornar rombos os cascos que cruzam as águas da vida sem içar uma bandeira,
sem beber com os olhos as faíscas nos carris do seu próprio percurso.
Vamos fazê-lo.
Sabotar de vez a cidade impura.



quarta-feira, junho 26, 2002
israel

Avançamos pela rua. Não somos vários, somos provavelmente um só, mas aparentamos conter em nós uma multidão indefinida. Estamos afastados pelos satélites, pelas marcas das roupas, pelos bilhetes de identidade, pela burocracia, pela língua que falamos, pelas línguas que beijamos pela cor dos olhos que nunca nunca é sempre a mesma, pelos objectivos ou pela falta deles, pela qualidade da parede das nossas casas, pela vida que levamos e que nos trouxe à paragem do autocarro. Que já vemos a descer a rua. Quase a chegar, quase a ancorar numa margem de vida.

Há alguém que magica frases na cabeça para dizer, das que se volatilizam na hesitação da civilidade. Há alguém que pondera as compras para o almoço, há alguém que pondera salvar o mundo. Há quem sofra e fique calado, há quem tenha muito para dizer depois da travessia. Há quem não tenha a mínima relação com o mundo, há quem seja filho do acaso, da ausência de “razões particulares”. Há quem tenha esperado, esperado, esperado. Há quem venha a correr, a tempo de ver o veículo parar e abrir vagarosamente as portas.

Depois há um instante em que o interior do autocarro é o interior do peito de toda uma espécie.

Horas mais tarde, as crianças olharão com olhos de choro para as portas do carro que engoliu os grandes, que engoliu todos, e o sal do choro salgará o ódio.
E quem vive respira, e come, e bebe, e fuma, e dorme desespero.

Deixa de importar quem trouxe quem, para levar para onde: urge uma mão invisível para acordar os vivos que adormecem mortos.




terça-feira, junho 04, 2002
(pedaço de um texto que fez parte de um exercício dramático, num atelier chamado Máquina do Tempo, algures entre Janeiro e Março do ano passado)

Os olhos poisam nas fachadas como os prédios poisam uns nos outros, pardacentos, arcanjos doentes de urbanismo embriagado. E a noite denuncia o hibernar da busca, quando além dos muros surgem paredes e a cidade, monolítica, exibe custosamente aos olhos as penas caídas dos anjos, o amor e o ódio tornados carne de homem, embalsamados por trás das janelas.


Na vigília, quando a noite nasce insone e desviada da calidez do betão, os olhos crescem e alimentam o seu corpo com a descoberta de que o círculo, aquele que não é a teia das presas embalsamadas, não o é mas sim um gesto, um corpo, um todo, um Nós, um esboço livre desenhado pela busca.




sexta-feira, setembro 28, 2001
"Escrevo da casa das máquinas
perturbo a vida daqui de baixo,
da maquinaria,
algures onde acaba a sorte
e começa o refugo da claridade do dia.

Escrevo porque larguei a pele que tomara como minha
aqui, entre o óleo e os fios condutores, perdi o que tinha
aquilo que terminava nas mãos e nos pés, finda agora noutras extremidades
não distingo o corpo dos ossos do corpo metálico
como os ossos do corpo das nossas cidades

Escrevo porque, sabendo onde estou
(aqui, na casa das máquinas,
nas entranhas do chão dos sítios que parecem funcionar)
não sei bem por onde começar

Não sei se comece a agir
(a máquina é filha do homem,
e como ele acabará por ruir...)

Não sei se saiba fugir
daqui, sem carne digna de gente,
sem vida à qual chamar minha,
e se a liberdade não será a benção
de quem perdeu já tudo aquilo que tinha.

Escrevo porque, sabendo muito bem onde estou
sofro dolorosamente do coração:
aqui, por trás do clarão
os espasmos da maquinaria surtem a taquicardia

aqui, onde a morte não fulmina, adoenta
agonia

Escrevo da casa das máquinas
sem saber bem o que diga ou a quem.
Esgotam-me o tempo e requisitam-me,
chamam-me algures lá dentro
a retomar a pele que largara no chão
a enterrar fundo a dor do coração
(que é meu e que é nosso,
aqui, no porão.)"



quinta-feira, julho 05, 2001
são duas maneiras distintas de encarar o nevoeiro. uma com medo do calor (da proximidade) e afastamento e a outra silencioso e rendido. são excertos de um texto maior ;) ?

vou colocar dois textos:

um que foi escrito no âmbito de um projecto que eu e uma amiga (a Djaimilia) estamos a desenvolver, numa fase inicial, com o objectivo de apontar ideias que podiam ou não ser desenvolvidas. foi numa altura em que estava a ler (ou a acabar de ler, não me lembro bem) o "Nós", de Ievgueni Zamiatine.

o outro foi escrito a 20 de setembro de 1999 e deve ter erros ortográficos e de estrutura, por isso agradeço correcções e sugestões.

"parecem corpos humanos, as moles carbónicas que irrompem pelas ruas geladas. mas não são. as pessoas têm vida. aqueles mecanismos não têm vida. voltem donde quer que voltem, não têm vida, têm um horário escrupulosamente esculpido na carne dos seus próprios passos, do seu sono, do seu sorriso, planificado na intimidade, como um suave embalo que as lança para o sucesso. permita-me que me apresente. eu sou Estevão e vivo aqui em frente aos prédios altos dos escritórios. porquê ? porque trabalho lá. agora fecho as cortinas. a paisagem é constante, mesmo com as cortinas cerradas. estou sozinho, mas isso estamos todos, agora. sozinhos compactados uns contra os outros, para que nos sintamos bem. já não trabalho mais hoje. tenho passado os últimos dias muito ocupado. sim. faço parte do 3º protocolo. o 3º protocolo foi o protocolo criado após o 2º, a fim de controlar o funcionamento deste. assim, a minha tarefa é anotar diariamente as falhas que possam surgir ou não no funcionamento do mecanismo do 2º protocolo. nasci do gelo e, como o gelo, sei que a minha função é derreter-me. ou num corpo líquido interdito, como o há muito erradicado álcool, ou num vasto oceano de limpidez. esse oceano de limpidez, era aquilo que víamos lá fora. o Globo. parece pálido, mas tal ilusão é provocada pelo excesso de brilho. amarás o Globo como os teus trisavós amaram a sua divindade. que não existe, pois o Globo é a entidade maior. os meus trisavós sabiam que não podiam chegar ao céu, a não ser quando morressem. aqui, hoje, vivos, lutamos pelo Bem do Globo, que é, assim, o Bem de todos nós. mas afinal, para que preciso eu disto se aquilo que vi não eram corpos mas relógios ?"


e


"Residence

there's this building
if you head north
on the dirty stone paved sidewalk
of our street.
back those abandoned yards,
past seasons fulfilled with joyful childhood faces
blending smiles with wounds at each of their jump
around the holes they kept digging
back those yards, the chambers before the absence of purity
dominium of personal darkness,
you must quicken your pace
as you sweep your body through the chestnut autumn-decaying trees
there are people laying underneath
you are passing over former footsteps
back from former walking souls yet in its existence
there is no personal joy, remember
there is no personal joy
head the sidewalk, thus
follow it towards the building
this building, brick coloured mistress of the habits
has suffered through times several demonstrations of harm
and inner dammage
you are probably crossing the last corner before entering it
you know, several families may produce loads of unexpected destruction
(it was not suppose to have any personal joy, remember)
enter the door and do not fear those pre-conceived ideas of urban desolation
this building was, as you can see, poisoned with human life
you had confort and sobriety,
you had mental forks in each opportunity of escape
do you feel claustrofobic ?
is there a headcase you would like to solve ?
please, step aside, then move back.
is it cold what you sense everytime the wooden stairs seem to crack ?
is it something absentee ?
I sense you don't control your lack of personal joy.
what have they brought up inside this, you ask
what does my mother and all the social repression have to do
with the loss I'm feeling right now, you dare to ask
what does every killing I enjoyed, or every postumous existence I tried to avoid, what does it all have to do with my corrosive need of intimism,
you are unable to pose questions
please, retroceed
it would be pleasant for your self-inflicted lack of mental health if you would lay down on the floor.
obeying is a state of mind, said the last kid who lived in the building,
and who became a successfull executive,
the last fucking boy with criativity, the last fucking proof of castration
oh, you are laying already
crawl back to the door you've just entered.
you know, this building,
this brick-coloured magnificent piece of architecture
this old cradle of sumptuous neighbours who thought they know about art and relationships and emotions
and all society's light
this building used to be the brightest of our hood.
you're in the garden,
do you sense the darkening street as open field
running is an option,
moving forward,
moving faster
is a choice.
is it an odissey, to run away from yourself ?
this building to whom you reacted greatly,
has encarcerated your fearful expression
return to the balance, pass again through those backyards
the kids who loved their parents and grandmothers are all dead now,
the berrys sneaking those wood constructions have nothing to be afraid of, now
pass again through those autumn trees,
regain your blasting and well accepted confidence
return
you know, the building will remain still until its demolition,
the blessing that will open space for another decaying cicle
you must feel alright about yourself.
there was not supposed to be any personal joy."


divulguem o heliporto a amigos vossos que gostem da ideia e boas aterragens:)



sexta-feira, junho 29, 2001
«Backwards and feel loved» :) é muito simples e bonito
(e o poema também;)

um texto:

"Festim.

a dor sorria-lhe com ternura, mas o olhar captava tudo aquilo com uma dormência quase etílica.
era tarde, era escuro, era assustadoramente fúnebre, era sério, era escusada a presença de qualquer leveza, eram guardados os remorsos para os dias seguintes, também eles imensos de claustrofobia.
os corpos amontoavam-se, empilhavam-se ocasionalmente. alguns metros cúbicos de clareza para uma sala de paredes culpadas, um atroz ecossistema de odores, cheiros, o terror de não ver olhos por trás do fumo.
aqueles dois ali ao fundo pontapeiam a tristeza com fervor, nem sequer dão pelas facas que lhes destroem as vértebras, degolados pela ausência. devoração carnal e pura mutilação emocional.
mas no seu canto, não. aí sofria-se a sério. como nos filmes. anos 40, preto e branco, uma envolvência subtil, uma melancolia que lhe entra pelas frinchas mascarada de delicodoçura. uns quantos prazeres estivais, e ele terno, conjugava lentamente e combatia timidamente aquelas explosões de inércia. o mal estava feito.
exploremos, por ora, as luzes. as luzes sugavam as vidas e violentavam-nas contra as paredes, num ritual forjado por melodias ingénuas e prenhas de convicção. e por eles. o roxo que rodopia, o azul indefinível que flutua ou cintila, crendo nos delírios de umas quantas almas, o branco que pisca, a luz das velas, essa mesma cor de luz. os pavios dão interessantíssimas metáforas.
o estilo é, portanto, o dealer do desejo, o guarda da embriaguez. o prazer, filho bastardo da puta da mentira, é o crime e o silêncio de cada um dos culpados. despojos de orientação.
a dor sorria-lhe cada vez com mais ternura, a dominação da suavidade, o estático na cruzada dos ferozes, a obsessão da pureza, os beijos que voam sem destino porque não existe estado que os reconheça. as mesmas caras. a mesma dor. oferecer os braços e adormecer na espiral. entrega. doçura. re-si-gna-ção que tortura tortura e depois aconchega os lençois para o novo dia, até que as noites se deitem com os dias e os relógios fodam tresloucados na desordem, até que o sol não se deite e o balanço se empenhe sempre na mesma corda, frágil frágil de ternura.
naquele canto sofria-se a sério e às escondidas.
três ou quatro passos até ao meio da sala. três ou quatro metros cúbicos da mais pura clareza. um suspiro de pouco mais de uma dezena de anos.
o silvo de uma bala e o estilhaçar do crâneo. um passo de dança no meio de mais outros."

e um poema

"a destreza e a líquida fluidez do corpo percorre
socorre
ocorre só e minuciosa
na imensidão da geografia das almas

a alma alberga o corpo
que escorre
socorre
ocorre só e insinua-se

o corpo escorre dentro de si mesmo
e o escorrer claustrofóbico
nas artérias as veias
a geografia líquida do desconhecido

e a alma toma o corpo do desconhecimento
casa do sangue, do corpo de si mesma
alma enquanto corpo que floresce na alvorada do seu próprio circuito
arterial."





quarta-feira, junho 27, 2001
O início do Heliporto:

o Heliporto pretende e vai passar a ser um espaço onde se afixem textos. o objectivo é construir diariamente (ou "quando-apetecermente") algo vagamente semelhante a uma antologia de textos - prosa, poesia, frases soltas e essas coisas.

as regras são : escrever livremente, entre aspas (" ... ") quando é texto/prosa/etc e sem aspas quando é um comentário (ao próprio texto ou a escrita afixada) e assinar.

a ideia é conhecermo-nos todos e àquilo que cada um vai criando.

o meu mail é tiago.romeu@netcabo.pt

tiago