h e l i p o r t o


sexta-feira, junho 29, 2001
«Backwards and feel loved» :) é muito simples e bonito
(e o poema também;)

um texto:

"Festim.

a dor sorria-lhe com ternura, mas o olhar captava tudo aquilo com uma dormência quase etílica.
era tarde, era escuro, era assustadoramente fúnebre, era sério, era escusada a presença de qualquer leveza, eram guardados os remorsos para os dias seguintes, também eles imensos de claustrofobia.
os corpos amontoavam-se, empilhavam-se ocasionalmente. alguns metros cúbicos de clareza para uma sala de paredes culpadas, um atroz ecossistema de odores, cheiros, o terror de não ver olhos por trás do fumo.
aqueles dois ali ao fundo pontapeiam a tristeza com fervor, nem sequer dão pelas facas que lhes destroem as vértebras, degolados pela ausência. devoração carnal e pura mutilação emocional.
mas no seu canto, não. aí sofria-se a sério. como nos filmes. anos 40, preto e branco, uma envolvência subtil, uma melancolia que lhe entra pelas frinchas mascarada de delicodoçura. uns quantos prazeres estivais, e ele terno, conjugava lentamente e combatia timidamente aquelas explosões de inércia. o mal estava feito.
exploremos, por ora, as luzes. as luzes sugavam as vidas e violentavam-nas contra as paredes, num ritual forjado por melodias ingénuas e prenhas de convicção. e por eles. o roxo que rodopia, o azul indefinível que flutua ou cintila, crendo nos delírios de umas quantas almas, o branco que pisca, a luz das velas, essa mesma cor de luz. os pavios dão interessantíssimas metáforas.
o estilo é, portanto, o dealer do desejo, o guarda da embriaguez. o prazer, filho bastardo da puta da mentira, é o crime e o silêncio de cada um dos culpados. despojos de orientação.
a dor sorria-lhe cada vez com mais ternura, a dominação da suavidade, o estático na cruzada dos ferozes, a obsessão da pureza, os beijos que voam sem destino porque não existe estado que os reconheça. as mesmas caras. a mesma dor. oferecer os braços e adormecer na espiral. entrega. doçura. re-si-gna-ção que tortura tortura e depois aconchega os lençois para o novo dia, até que as noites se deitem com os dias e os relógios fodam tresloucados na desordem, até que o sol não se deite e o balanço se empenhe sempre na mesma corda, frágil frágil de ternura.
naquele canto sofria-se a sério e às escondidas.
três ou quatro passos até ao meio da sala. três ou quatro metros cúbicos da mais pura clareza. um suspiro de pouco mais de uma dezena de anos.
o silvo de uma bala e o estilhaçar do crâneo. um passo de dança no meio de mais outros."

e um poema

"a destreza e a líquida fluidez do corpo percorre
socorre
ocorre só e minuciosa
na imensidão da geografia das almas

a alma alberga o corpo
que escorre
socorre
ocorre só e insinua-se

o corpo escorre dentro de si mesmo
e o escorrer claustrofóbico
nas artérias as veias
a geografia líquida do desconhecido

e a alma toma o corpo do desconhecimento
casa do sangue, do corpo de si mesma
alma enquanto corpo que floresce na alvorada do seu próprio circuito
arterial."





quarta-feira, junho 27, 2001
O início do Heliporto:

o Heliporto pretende e vai passar a ser um espaço onde se afixem textos. o objectivo é construir diariamente (ou "quando-apetecermente") algo vagamente semelhante a uma antologia de textos - prosa, poesia, frases soltas e essas coisas.

as regras são : escrever livremente, entre aspas (" ... ") quando é texto/prosa/etc e sem aspas quando é um comentário (ao próprio texto ou a escrita afixada) e assinar.

a ideia é conhecermo-nos todos e àquilo que cada um vai criando.

o meu mail é tiago.romeu@netcabo.pt

tiago